Mãos ao ar

Blogue de discussão desportiva. Qualquer semelhança entre este blogue e uma fonte de informação credível é pura coincidência e não foi minimamente prevista pelos seus autores. Desde já nos penitenciamos se, acidentalmente, relatarmos uma informação com um fundo de verdade. Não era, nem é, nossa intenção.

quarta-feira, dezembro 31, 2008

Lobby

A prestigiada Gazzetta dello Sport incluiu o Rui Patrício numa lista dos 15 sub-21 mais promissores da Europa (aqui). Por motivos que a Razão desconhece, também lá está o Angel "21 Milhões" di Maria.
Como fazia o Jorge Sampaio, apelo por isso ao vosso voto e à vossa serenidade. E fico a aguardar que o Cavaco também reserve tempo de antena nas principais estações televisivas para se pronunciar sobre a necessidade de aumentar o uso de cotonetes na higiene diária dos portugueses e a necessidade de votar em massa no Rui Patrício.
Votai, senhores, votai. E bom ano de 2009.

terça-feira, dezembro 23, 2008

Conto de Natal


Estava a chover lá fora, que é aliás onde normalmente costuma chover.
O prometido aterrou na terra num dia invulgar de Verão, frio, desagradável, com a chuva a entupir sarjetas e a disseminar pela cidade o cheiro levemente adocicado da couve apodrecida. Logo lhe prometeram que, em não o desejando, não permitiriam que voltasse a chover na cidade. Mas o prometido, magnânime, encolheu os ombros e disse que se sujeitava ao que viesse.
“Que nobreza de homem”, escreveu um no jornal.
“Que espírito tão aberto”, ripostou o outro.
Chegaram os primeiros compromissos mediáticos. Habituado à guerrilha da sua terra de origem, o prometido a todos respondeu com elevação, penteando sempre a melena para as câmaras, como a tia, fadista, lhe ensinara a fazer. No íntimo, estranhava as perguntas pouco acutilantes, ingénuas, pueris, mais próprias de uma sessão de catequese do que de uma conferência de imprensa. Mas respondia, respondia sempre, com um sorriso no rosto e a melena cofiada entre os dedos.
“Que fineza de trato”, escreveu-se no jornal.
“Que experiência revigorante para a nossa terra ouvir um homem com ideias tão claras”, publicou-se noutro.
Para surpresa do próprio, as vitórias apareceram antes das derrotas. Os elogios transformaram-se em salmos. O pateta-mor da terra publicou num dos jornais esta loa: “E pensar que nos debatemos aqui, nos últimos anos, com a necessidade comercial de “pisar o risco”, incensando na 1.ª página vitórias tangenciais e exibições medíocres, do género “Águias voam alto” ou “Aí está o Benfica!”, tantas vezes quando o “alto” era baixo como o Colombo ou o “Benfica” que se exaltava nada tinha do Benfica que conhecíamos e que parece estar agora de volta. Será que já não precisaremos mais, não de mentir, mas de dar à verdade um embrulho de ouro para material de pechisbeque? Em nome de Record, agradeço os bons ofícios de D. Enrique(…).”
Dias mais tarde, acrescentou: “(…) devo reconhecer que passei a torcer mais pelo Glorioso desde que tem este treinador, um homem sereno perante as contrariedades (…) Que me perdoem, mas dá-me a ideia que, quando Cardozo cabeceou para a vitória, estiquei também o pescoço. Não devia, eu sei.”
Dele se escreveu, durante dois meses, que não mais se voltaria na terra a faltar ao respeito aos jornalistas, tamanha era a etiqueta do prometido. Que não mais se culpariam os atletas por falhas de estratégia imputáveis ao treinador. Que nunca, por Deus, nunca se voltaria a colocar nos ombros de um árbitro o ónus de um mau resultado.
Num mundo perfeito, é certo, isso não sucederia. Infelizmente, porém, no espaço de uma semana, o prometido perdeu uma taça no sábado e não deixou os atletas falarem à imprensa; perdeu outra taça na quinta e culpou publicamente a falta de entrega dos jogadores. E, à segunda, que é o dia em que normalmente o Senhor descansa, atirou-se desalmadamente ao árbitro.
Algures, numa esquina de Lisboa, um homem chora copiosamente, usando como lenço a manga do único blazer da família, que partilha com mais três primos.
“Ele era o prometido, ele era o prometido”, balbucia repetidamente.
Volta a chover lá fora, que é, como se sabe, o sítio onde normalmente chove.

quinta-feira, dezembro 11, 2008

Inédito


(Serviço Especial, Lusa) Três jornalistas de "A Bola" e também o José Manuel Delgado deram entrada no Hospital de Santa Maria, com indícios de ansiedade. O esqueleto de Cândido de Oliveira terá dado três cambalhotas no túmulo. Aurélio Márcio e Alfredo Farinha, mesmo não estando no túmulo, terão feito o pino e a roda, com mortal empranchado. O sinistro proprietário do jornal está a reler os estatutos da publicação para confirmar que a prática de hoje estava, de facto, interdita, uma vez que o livro de estilo do jornal, escrito por Cândido de Oliveira num rolo de papel higiénico no Tarrafal, assim o exige.
Santos Neves, autor que o Departamento de Línguas da Faculdade de Letras elegeu como "o mais provável candidato a nunca juntar o sujeito e o predicado na ordem natural das coisas", terá escrito uma coluna de opinião, referindo: "Triste mundo este está, quando destas capas fazemos nós!", ou algo semelhante.
E Vítor Serpa, director da publicação, aproveitou a ocasião para escrever três editoriais sobre a ministra da Educação, um sobre os movimentos sociais da nova esquerda e outro sobre a sorte que teve por morar em Belém quando não havia pastelarias.
E o que foi a novidade? Mais de sessenta anos depois da fundação, o jornal publicou uma manchete sobre uma vitória do FC Porto.

sexta-feira, dezembro 05, 2008

Desculpem lá o homem

À excepção de escritores consagrados como o Gonçalo M. Tavares e o José Veiga, a aspiração de qualquer autor passa por tocar o âmago de todos os leitores, intrigá-los, fasciná-los, comovê-los ou fazê-los rir, propositadamente (no caso de Ricardo Araújo Pereira) ou sem querer (no caso de Carolina Salgado). Pessoalmente, nunca toquei no âmago de ninguém e tenho testemunhas. Lá para insultos, contem comigo, mas em tratando-se de porcarias e javardices, aviso-vos já que ficam sozinhos.
Imaginemos que eu começo esta crónica discorrendo sobre um tema que atravessa transversalmente a sociedade portuguesa e constitui um escândalo calado pelos poderes instalados – a esmagadora maioria dos urinóis de Lisboa e Vale do Tejo é manufacturada pela empresa Valadares, o que constitui um chocante caso de monopólio que a Autoridade Para a Concorrência não vê ou não quer ver. Nesse cenário, apesar de a crónica tocar no âmago de alguns leitores (aqueles que, mais despertos para este tipo de escândalos, também se indignam, enquanto salpicam, angustiados, o logotipo da empresa, abusivamente impresso no equipamento de louça), provavelmente alienarei sectores importantes da minha audiência. Imagino que as meninas não se sintam revoltadas com este tipo de assunto. Falta-lhes sensibilidade, é o que é. Urinadores sentados, essa tropa que merece pouco mais do que o nosso desprezo, também não quererão saber muito mais. E acabarei resumido a meia dúzia de consciências despertas, como dizia o Walter Lippman, gente que se destaca da manada sem vontade nem rumo.
Pois bem, hoje é um desses raros casos. Se o amigo leitor não for um árbitro de futebol, peço-lhe para parar de ler agora. Não leia mais uma palavra. Por muito que me peça, não lhe tocarei no âmago. Nem em mais lado nenhum, acrescento, que estas coisas do tacto começam assim, com inocência e, quando a gente dá por elas, já são um caso de polícia e é uma vergonha, ai o senhor doutor não parecia nada dado a essas javardices, e estava na altura de colocar um ponto final nesta frase que este gajo parece o Saramago, Quem disse isso?, perguntou Blimunda, Respira fundo, Bulhão e interrompe a merda da frase para as pessoas poderem respirar fundo, cá vai então. Uff!
***
Caros senhores árbitros. Paulo Bento cometeu um erro crasso. Criticou vossas excelências e disse que os senhores eram muito dados a erros contra o Sporting. Não se faz. Sobretudo porque os senhores continuam com a faca e o queijo na mão e, como qualquer pessoa, não gostam que lhes apontem os erros que cometem todas as semanas. Eu também não gostava de ter aqui na repartição um fulano qualquer aos soluços e a queixar-se que eu troquei os impressos e fiz retenção na fonte a quem não devia. O meu problema com isso, excelências, é que eu tenho notado que os senhores têm errado ainda mais desde que o Paulo Bento vos acusou de burrice. É golos anulados. Penalties a torto e a direito. O Caneira e o Derlei são tratados como se estivessem num daqueles contratos de time-sharing e são expulsos do apartamento de quinze em quinze dias. E isso a modos que me custa. Por isso, como ele não vos pede desculpa, pedimos nós, aqui no Mãos ao Ar. Para todos os efeitos, considerem as linhas que se seguem como um pedido formal de desculpas do Sporting Clube de Portugal.
"O grau de evolução de uma sociedade pode ser avaliado pela forma como ela trata os seus árbitros. Em rigor, a citação original fala de velhos, crianças e animais, mas admitamos, para efeitos de retórica, que os árbitros são também uma parte importante do tecido social.
Os senhores são escolhidos por Deus. Ou pelo presidente do FC Porto, como queiram. Mas são uma elite, uma casta, os melhores entre os melhores. Merecem ser tratados como diplomatas. Têm na ponta do apito o futuro do mundo. Um mero gesto desperta a raiva de muitos e a euforia de outros. Os senhores são os novos imperadores, e os vossos gestos são nervosamente antecipados pela multidão, que espera, como de Nero, um polegar afirmativo ou negativo para saber se vos espanca ou vos leva em ombros.
Na vida profissional, ninguém vos leva a sério. Um trabalha num banco e passa o dia a aprovar créditos financeiros para aquisição de alfaias agrícolas. O outro trabalha numa fábrica de louça (será da Valadares?). Um numa companhia de seguros. O outro numa câmara municipal. Na rua, os transeuntes não se desviam à passagem de vossas excelências. Esperam nas filas como os comuns mortais. Ah, mas no campo tudo muda. Dispõem de poder. O poder de expulsar o Derlei e de lhe ler no rosto toda a sua raiva. O poder de insultar o Manel Fernandes no banco e de sublimar a raiva pelos quatro golos que ele marcou aos vossos numa célebre tarde de Dezembro. O maravilhoso poder.
Em nome do Sporting, gostava por isso de vos pedir desculpa. Os senhores são de facto a nata da sociedade. Não se fala mais nisso. E agora, se não for pedir muito, gostava de encomendar uma arbitragem decente para hoje à noite. Chamem-me lunático, mas eu gostava de acabar um jogo fora com onze em campo. Vejam lá isso.
Criado de vossas excelências, Bulhão Pato."

quarta-feira, dezembro 03, 2008

Cabo-esverdeado

Como o Bulhão me denunciou recentemente, não tenho outro remédio se não admitir o meu paradeiro nos últimos tempos e justificar a minha prolongada ausência destas lides.
Com efeito, o arquipélago de Cabo Verde reteve-me durante mais tempo do que o programado, porque acreditem que não é fácil trabalhar e guardar um segredo de Estado naquelas paragens. A ideia era peregrina e pretendia catapultar Portugal para o lugar que já lhe pertenceu por direito próprio na história da humanidade: construir um túnel por baixo do mar que ligasse Lisboa a Cabo Verde, que depois continuaria até São Tomé e Príncipe e que seria desviado, finalmente, para Luanda, com um ramal extensível até ao enclave de Cabinda – uma espécie de metropolitano sub-Atlântico. O projecto era megalómano, mas os planos acabaram por cair por terra porque a mão-de-obra, constituída por 7 trabalhadores locais, 2 palestinianos, 15 portugueses, 436 chineses, um árbitro e dois auxiliares, um representante da UEFA, três elementos da APAF e uma ucraniana, não se entendeu. Cada qual tinha a sua opinião – e a única concordância era em relação às qualidades da Tatiana Vulkova.

Com avanços e recuos (do túnel, não da Tatiana), o projecto teve de ser abandonado: os palestinianos passavam o tempo todo a agredir os chineses, as regras eram subvertidas pelos portugueses, o árbitro queria que os cabo-verdianos abandonassem o terreno porque a última palavra do nome do país lhe causava alergias, e os dois auxiliares, um pouco inexplicavelmente, ganharam o tique de levantar uma bandeirinha sempre que um verdiano (perdão, cabo-verdiano) tentava escapar. Apesar de o observador ter atribuído classificação positiva, perante o estranho júbilo dos elementos da APAF, todos decidiram abandonar a obra e fugir com a Tatiana para Cabeça dos Tarafos, uma incógnita povoação na ilha da Boa Vista.

Tudo isto explica a minha ausência – fui eu que fiquei com a Tatiana… –, mas durante o tempo que passei no arquipélago, deu para constatar algumas diferenças em relação ao dia em que cheguei: os cabo-verdianos continuavam a usar camisolas de clubes de futebol como trajos de gala, mas aqueles que se identificavam com o Benfica só falavam castelhano e vestiam camisolas desbotadas com o nome Eusébio nas costas, o número de adeptos do FC Porto tinha aumentado consideravelmente, sobretudo entre os mais jovens, e os sportinguistas eram constantemente assaltados pelo árbitro, pelos dois auxiliares, pelos três elementos da APAF e pelo observador. Muita coisa tinha mudado – mas a paz podre continuava na mesma.

terça-feira, dezembro 02, 2008

Escreve-se no “Record” de hoje

“Há muitos anos que os três grandes não tinham treinadores tão fracos.”

Paramos a leitura para recuperar o fôlego. É certamente um tratado que se avizinha. Pelo tom assertivo, sairá seguramente da pena de um catedrático com especialização em futebol, de um treinador da estirpe de um Rinus Michels ou, quem sabe?, de um jogador de nomeada, daqueles que, pela experiência e tarimba, ganharam o direito a pronunciar-se sobre a evolução do jogo.
Prosseguimos.

“Nunca tiveram plantéis e condições de trabalho tão boas e, por paradoxal que pareça, os treinadores dos grandes nunca estiveram tão vulneráveis como estão agora.”

O diagnóstico é forte, tal como a doença. Mas é justo. Não se cura uma vítima de trombose com caldo verde, como diria o professor Neca, se lhe pedissem um aforismo.
Talvez seja um artigo de José Mourinho. Ou de Fabio Capello. Ou do próprio Sun Tzu, o que seria um tremendo furo do popular jornal desportivo. Morto há 2.300 anos (o Sun Tzu, não o “Record”, bem entendido), o autor de “A Arte da Guerra” tem estado em blackout.
Mais uma linha da análise.

“Só concluo que [os treinadores] não podem estar onde estão.”

Intrigado, vou ver o crédito da peça, inserida na rubrica “Os Olhos do Mister”. Descanso.
O texto é do treinador Luís Campos, o homem que o Mais Futebol um dia entrevistou numa peça sobre José Mourinho e disse que, não sendo da mesma geração de José Mourinho, tendo crescido numa cidade diferente da de José Mourinho e sendo dono de um currículo radicalmente diferente do de José Mourinho, sentia que existia “admiração entre um e o outro”.
Luís Campos não o disse, mas percebia-se que o sentia: o que o une a José Mourinho é algo mais forte do que a resina. Luís Campos pode não ser da mesma geração, pode não ter crescido na mesma cidade e pode não ter ganho nenhum troféu, mas bebeu da cartilha dos grandes treinadores. Com José Couceiro, aprendeu a trabalhar com humildade; com Carlos Carvalhal, aprendeu a trabalhar com devoção; e com José Mourinho, aprendeu a trabalhar com um serrote.
Não é muito bom, mas também não é mau.