Mãos ao ar

Blogue de discussão desportiva. Qualquer semelhança entre este blogue e uma fonte de informação credível é pura coincidência e não foi minimamente prevista pelos seus autores. Desde já nos penitenciamos se, acidentalmente, relatarmos uma informação com um fundo de verdade. Não era, nem é, nossa intenção.

sexta-feira, novembro 28, 2008

Não lerão hoje olimPIADAS aqui...

Seria demasiado fácil. Poderia recordar o velho hábito grego de partir os pratos a seguir à refeição como expressão do desapego material e sugerir que o Olimpiakos refinou a prática, quebrando a bilha do Benfica. Mas não o farei.
Há algo mais importante para contar.
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Ontem, cumpriram-se 20 anos sobre a última ocasião em que o Vítor Damas subiu a um relvado para defender a baliza do Sporting. Tinha 41 anos e, 444 jogos depois, quis o destino que ele se despedisse em Viseu, contra o Académico local, e não em Alvalade, junto dos seus. À época, o Sporting era treinado pelo uruguaio Pedro Rocha, o que vale por dizer que o Sporting baloiçava sem treinador, como um barco de mastro partido.
No plantel, coabitavam mais dois guarda-redes. O Vital era uma espécie de Quim mas mais bem penteado e sem nunca ter enfardado onze golos no espaço de uma semana, proeza muito valorizada hoje em dia; e Rodolfo Rodriguez era um corpo estranho que a astronomia normalmente designa por estrela carente, ou coisa assim, e cujas exibições eram tão agradáveis de presenciar como assistir a um espectáculo de tinta a secar numa parede.
Qualquer um deles tinha enormes qualidades, já se vê, mas as suas carreiras foram prejudicadas por suspeita de ambliopia, o chamado sintoma do “olho vago” ou “olho preguiçoso” que, sendo chato na maioria das profissões, pode prejudicar um pouco mais a tarefa de um guarda-redes. Mesmo assim, Rocha optou por utilizar o Damas em apenas 11 jogos dessa temporada. Mesmo depois de o mítico número 1 lhe ter garantido SOZINHO a qualificação em Amesterdão (1-2), frente ao poderoso Ajax.
Nessa altura, lembro-me de o Pedro Rocha assegurar que era boa ideia o Damas sentar-se no banco. E toda a gente no Sporting pensou: “Que boa ideia, o Pedro Rocha ainda vai chegar longe no clube!” Depois, a ideia do Pedro Rocha atirou-nos para a segunda metade da tabela. E o Pedro Rocha foi trabalhar para o refeitório e nunca mais dele se ouviu um pio.
Fosse como fosse, de 27 de Novembro de 1988 até ao final da época, não voltei a ter o privilégio de ver o Vítor Damas em acção. Em compensação, experimentei o doce privilégio de ver o Rodriguez enfardar vários cabazes de três golos e deliciei-me com a cabeçada frontal que o Vital enfiou no poste esquerdo da baliza do topo sul, num Sporting-Benfica, tentando, em vão, evitar um golo do Benfica. Não me recordo bem, mas creio que o poste ganhou ao Vital por dois pontos na fontanela mastóide a zero.
Por manifesta crueldade dos meus pais, que aliás nunca lhes perdoei, nasci depois da maior exibição do Damas com a camisola do Sporting. Foi em 1971, contra o Glasgow Rangers. Não vi, mas contaram-me em sussurro, como é tradicional fazer-se quando se transmitem verdades universais, que o Damas estava possuído nessa noite. Que os escoceses o quiseram levar de imediato. Que Alvalade se despediu dele, aplaudindo-o longamente de pé, esquecendo a eliminação que nos tocara. E que, no fim do jogo, o Damas recolheu com nobreza a toalha do fundo da baliza, fez um aceno simples para a bancada – um ligeiro movimento, imperceptível das bancadas – e recolheu, sereno, ao balneário.
Tenho saudades de ter um ídolo no Sporting.

quinta-feira, novembro 27, 2008

Belenensização aguda

Há 20 anos, o Rui Santos publicou em "A Bola" um artigo de opinião onde defendia que o Sporting caminhava rapidamente para a belenensização, traduzida na desmobilização de adeptos e na perda gradual de prestígio desportivo.
Duas décadas depois, enquanto saio de um estádio que emitiu "olés" à equipa da casa que enfardava cinco golos (com uma dose cavalar de azar, é verdade, mas cinco - cinco!), como se fosse o desfecho mais natural do mundo, sou forçado a admitir que a belenensização do Sporting avança em passo acelerado.
Vamos hoje ao estádio como quem vai ao centro comercial ou ao cinema. Perdemos, ganhamos - encolhemos os ombros e pensamos noutra coisa. Alvalade já não mete receio e as noites europeias servem para estrear penteados e botas coloridas. Fazem-se apelos de mobilização e vende-se menos de um milhar de gameboxes.Queremos raça no relvado e não emitimos um cântico, um grito. Queremos as vitórias numa bandeja, como se as pudéssemos reclamar por direito de linhagem.
Fomos goleados em casa e rimo-nos estupidamente, enquanto gritámos "Figo", "Figo". Caricaturámos tudo o que era o Sporting, como se estivéssemos na tourada.
Mas o touro fomos nós.

terça-feira, novembro 25, 2008

Há coisas fantásticas, não há?

No Mãos ao Ar, estamos sempre em cima do acontecimento. É verdade que o acontecimento, por vezes, protesta, o que é compreensível, porque ninguém gosta de ter dois camafeus sentados em cima de si.
Proponho hoje aos senhores que há um fenómeno de empatia muito curioso nas páginas dos nossos jornais. Vejam lá que, sempre que o Sporting vai jogar um encontro importante das competições europeias, é publicada uma notícia sobre o interesse de um clube num dos jogadores "leoninos". Mais coincidente ainda: o interessado, segundo a imprensa, é sempre o clube com o qual vamos disputar o apuramento.
A 27 de Novembro de 2007, fomos jogar a Manchester. No próprio dia, o "Diário de Notícias" publicava isto.




A 11 de Abril de 2008, jogámos com o Glasgow Rangers. Três dias antes, o "Record" publicava isto.



A 21 de Setembro, fomos jogar a Donetsk. Nesse dia, o "Record" publicava isto (as rádios desse dia anunciaram horas depois que o destino seria... Donetsk).



Hoje, na véspera da disputa com o Barcelona pelo primeiro lugar do grupo, "A Bola" publica isto.



Há coisas fantásticas, não há?
(Fonte: MSI)

sábado, novembro 22, 2008

Estou ansioso pelo "Correio da Manhã" de 2011...

... para ler a transcrição das escutas e saber tudo sobre este jogo.
Quem elas eram? Quantas eram? Portuguesas ou brasileiras? Mulatas ou caucasianas? Chegaram na noite anterior ou no dia do jogo? Como foi combinado o negócio? O senhor foi passivo ou activo (tenho as minhas suspeitas...)
Enfim, pormenores deliciosos do nosso futebol, tão importantes como o golo do Liedson, a defesa do Patrício ou a lobotomia do senhor da SportTv que comentou o jogo.

sexta-feira, novembro 14, 2008

A arca de Pessoa


A academia está chocada. Do espólio de Fernando Pessoa ontem leiloado em Lisboa, constavam diversas folhas manuscritas pelo poeta, com anotações, correspondência e versões provisórias das suas obras mais tarde celebrizadas. A análise documental do espólio revelou afinal um Fernando Pessoa diferente – mais expansivo, mais aberto, alguns dirão até mais larilas. Em rigoroso exclusivo nacional, o Mãos ao Ar tem o prazer de reproduzir excertos de obras pessoanas, com a respectiva versão politicamente correcta, mais tarde adicionada por um editor sem escrúpulos.

De “Amei-te e por te amar”

Amei-te e por te amar
Só a ti eu não via... Vi-te sem óculos, vi-te de lunetas
o céu e o mar, Eras o Manel ali do talho
Eras a noite e o dia... E aviavas as costoletas

Quando te tinha diante
Do meu olhar submerso
minha amante... Não eras o talhante
Eras o Universo...
Agora que te não tenho,
És só do teu tamanho. Já te queixas do tamanho

De “Tenho tanto sentimento”

Tenho tanto sentimento
Que é freqüente persuadir-me Pelo Júlio da drogaria
De que sou sentimental, Que já me vendeu dois alguidares.
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento, Que quando lhe falei nisso
Que não senti afinal. Tive de dar aos calcanhares.

De “Apontamento”
A lavadeira no tanque
Bate roupa em pedra bem. A modos que me dá calores
Canta porque canta e é triste É nestas alturas que eu lamento;
Porque canta porque existe; Triste sina, a do fanchono,
Por isso é alegre também. Não lhe poder dar uma esfrega

De “O Amor”
Ah, se ela adivinhasse Ah, mas se o Inácio adivinhasse
Se pudesse ouvir o olharO que me passa pela pinha.
E se um olhar lhe bastasseSe Deus me ajudasse,
P'ra saber que a estão a amar.Gostava de lhe saltar à espinha.

Mas quem sente muito, cala; É desta, juro, é de enfiada
Quem quer dizer quanto senteSerá moldado como à plasticina
Fica sem alma nem falaRai's partam a criada
Fica só, inteiramente!Que me escondeu a vaselina!

(tenham paciência, meus senhores, falo de bola para a semana. Quando passar o efeito do medicamento para a cabeça que o senhor doutor, benza-o Deus, me receitou.)