Mãos ao ar

Blogue de discussão desportiva. Qualquer semelhança entre este blogue e uma fonte de informação credível é pura coincidência e não foi minimamente prevista pelos seus autores. Desde já nos penitenciamos se, acidentalmente, relatarmos uma informação com um fundo de verdade. Não era, nem é, nossa intenção.

segunda-feira, dezembro 17, 2007

A estratégia do cuco

João Pinto, ex-defesa direito do FC Porto, ex-internacional português, ex-treinador da equipa de juniores do clube nortenho e pateta certificado, deu uma entrevista ao jornal “O Jogo” há cerca de um mês. Convidado a comentar a dificuldade de ascensão dos talentos dos escalões de formação, João Pinto respondeu (mais palavra, menos palavra) que, como o FC Porto ganha muito, não se pode dar ao luxo de lançar miúdos na equipa principal. E, com o exemplo do Sporting certamente em mente, acrescentou que só os clubes que estão fora de competição em Novembro/Dezembro é que podem fazer apostas dessas, lançando jovens jogadores para esconder desaires desportivos.
Recordei esta entrevista ontem, ao ver no relvado dos Barreiros Rui Patrício (19 anos), Ronny (21), Adrien (18), Veloso (21), Moutinho (21), Vukcevic (21). No banco, estavam ainda Paulo Renato (20), Pereirinha (19), Celsinho (19) e Paez (17)! É confrangedor verificar que, dada a data de nascimento destes meninos, eles nunca ouviram os GNR sem Rui Reininho, os Van Halen com David Lee Roth ou a Ana Bola com menos uma tonelada.
Será de mais?
É genericamente reconhecido que João Pinto e o Sporting divergem profundamente sobre temas tão fracturantes como a economia de mercado, a organização de uma equipa de futebol ou a limpeza das unhas. Desta vez, porém, o ex-jogador terá tocado na ferida: a opção de Paulo Bento parece cada vez mais motivada pela ausência de alternativas entre o plantel adulto. Defendo que um plantel equilibrado é composto por força vivas de diversas idades. No caso do Sporting, é composto por onze forças vivas e outras, como Purovic, Farnerud ou Paredes, que são forças mais ou menos vivas. Se estas criaturas por lá continuarem em Janeiro, é bem provável até que Bento recorra aos juvenis, aos iniciados ou ao grupo de escuteiros de Alcochete.
Por outro lado, todos nos lembramos – excepto, provavelmente, aqueles que sofram de Alzheimer – que as apostas em Figo, Simão (bleerk), Quaresma, Viana, Ronaldo, Moutinho, Nani ou Veloso ocorreram em equipas maduras, complementadas com profissionais experimentados. Nos Barreiros, foi o contrário: havia dois ou três adultos para tomar conta da miudagem. O resultado, claro, foi semelhante ao que aconteceria se o Parlamento fosse tomado por uma juventude partidária.
Terceiro ponto: haverá que admitir com relutância que nem todos os rapazes de 19 anos sabem jogar à bola, mesmo que lhes vistam a inigualável camisola verde e branca. Suspeito que será o caso de Pereirinha e Ronny que, mesmo agregados, não fazem um jogador decente. E como nas histórias de naufrágios, haverá que ter a coragem de deixar afogar os lastros para que o barco consiga prosseguir.
Último ponto: terá João Pinto legitimidade para comentar politicas de formação – logo ele que representa um clube hábil apenas a executar a estratégia do cuco, que usa o ninho e o trabalho dos outros sem verdadeiramente criar nada de original? A meu ver, não. E mesmo que o FC Porto esteja alguns passos à frente do Benfica (que não forma propriamente jogadores – deforma-os!), não é dali que virá exemplo algum de formação.
Há quatro/cinco anos, fui desafiado por amigos para ir à Academia ver um jogo da fase final do campeonato de juvenis, entre o Sporting e o FC Porto. Eram favas contadas, disseram-me. E foram... mas para o lado do FC Porto. Na equipa nortenha, Vieirinha e Paulo Machado desfizeram em pedaços a equipa do Sporting. Jogaram e fizeram jogar. Mostraram incrível maturidade e resistência. Quatro/cinco anos depois, porém, aguardam ainda uma oportunidade, uma e outra vez emprestados, uma e outra vez empurrados.
Não... O modelo de formação não mora ali.

quarta-feira, dezembro 05, 2007

Experiências dolorosas


Permitam-me a indulgência de vos aborrecer com uma história.
Em 1963, o professor de Harvard Stanley Milgram desenvolveu uma experiência sobre os limites da obediência humana. Recrutou 40 voluntários para uma experiência alegadamente sobre a memória humana e colocou um colaborador como “aprendiz”, sem informar os voluntários que o “aprendiz” não era um voluntário aleatório. Cada um dos voluntários foi informado de que seria o “professor” da experiência e que existia na sala ao lado, sem contacto visual entre ambos, um “aprendiz” que, embora sofresse de problemas cardíacos, se submeteria à experiência.
O “professor” recebia um dispositivo capaz de gerar choques eléctricos no aprendiz e uma lista de palavras que devia ler em voz alta. Depois de uma primeira leitura, o “aprendiz” tinha de mostrar que havia memorizado a lista. Por cada falhanço, o “professor” deveria administrar choques de voltagem crescente no “aprendiz” e os gritos que escutava da sala ao lado levavam-no a acreditar que tal sucedia.
O aspecto curioso dos resultados é que 27 dos 40 “professores” que se submeteram à experiência, embora hesitassem a partir dos 135 volts e embora a certo ponto começassem a questionar a experiência e a dor do “aprendiz”, continuavam. Mostravam claro desconforto, mas continuavam a administrar dor numa pessoa que não conheciam, baseados numa autoridade que lhes fora imposta e reconfortados pela noção de que não seriam responsabilizados. Alguns administraram mesmo três choques de 450 volts num sujeito que não conheciam simplesmente porque lhes mandavam. Divulgada poucos meses depois do julgamento de Adolf Eichmann, a experiência tornou-se emblemática da (in)capacidade de muitos para contestar ordens, mesmo que produzidas por uma autoridade excêntrica.

O que tem isto a ver com o Sporting? – perguntam os senhores (e este é o momento em que eu vos surpreendo com a perspicácia da minha análise).
Em primeiro lugar, numa versão mais simplista, houve vários momentos dos últimos cinco jogos em que eu desejei ardentemente ter um dispositivo para administrar choques eléctricos à cambada de chulos que se arrasta lá em baixo, no relvado, sem respeito nenhum pelos desgraçados como eu – sublinho, desgraçados! – que acreditam piamente neles e pagam quotas, bilhetes, gameboxes e camisolas do Purovic e que dariam o braço esquerdo para estar um dia na pele deles.
Em segundo lugar – e este é verdadeiramente o argumento que me vai valer o Pullitzer, o Nobel ou a esfregona dourada do supermercado Lidl –, irrita-me bestialmente o modelo de funcionamento instalado no futebol do Sporting. Quando observamos em pormenor, não há verdadeiramente ninguém que mande, não há nenhum responsável máximo, não há uma autoridade definitiva. O pateta do presidente evoca a sapiência dos directores da SAD que, eles sim, conhecem o mercado. O tonto do Freitas evoca as restrições orçamentais da direcção que, ela sim, decide quanto (não) se gasta. Pedro Barbosa evocaria seguramente qualquer coisa se se dignasse a falar publicamente. E o infeliz do treinador, embora nunca se queixe (e esse mérito, reconheço, é uma das coisas que mais admiro nele), olha, cabisbaixo, para os especímenes que se sentam a seu lado no banco de suplentes e suspira profundamente.
Não há, repito, verdadeiramente ninguém que mande. Mas não restam dúvidas de que, nisto tudo, há uma vítima que sofre cada vez mais: eu!
E, parecendo que não, ser electrocutado de três em três dias já teve mais graça.